segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A HORA DA DESPEDIDA

6h10. Conforme combinado na noite anterior, Xaxá me balançou e me acordou. Ela já tinha tomado banho, já estava quase pronta e eu coçava os olhos preguiçosamente, adiando pular da beliche e me arrumar. Olhei pra outra beliche do quarto e Charlene ainda estava dormindo. Ela se recusava levantar antes que eu. No nosso quarto, Xaxá sempre era a primeira a acordar. Ela levantava, tomava banho, vestia-se e saía com a Bíblia. Tudo no maior silêncio prá não acordar ninguém. Eu levantava em seguida e a Charlene era sempre a última. Sempre foi assim e nessa manhã de domingo não haveria de ser diferente. Fiquei alguns minutos olhando para o teto, mas levantei. Não podia me atrasar.
Eram 6h47 e lá estava o tio Roland. Pontualíssimo, ele ajeitava as últimas coisas do carro para nos levar ao Aeroporto. Xaxá desceu com uma única mala, vermelha, e por isso sobrou lugar no carro para eu e Charlene irmos também. Domingo de manhã na Rodovia do Contorno é bem diferente do restante da semana. Não havia trânsito, nem obras, nem engarrafamento e, graças a Deus, nenhum acidente. Não sei se por sono ou pela circunstância, fizemos o trajeto até o Aeroporto em silêncio.
Às 7h16 tio Roland estacionou, em fila dupla e por isso não poderia demorar. Ele deu um abraço na Xaxá e Charlene deu em seguida. Eles entraram no carro e voltaram para a base, eu decidi ficar. O check-in foi rápido e nos deu tempo para tomar um café. Saímos da base em jejum, mas como tudo é muito caro no Aeroporto, só tomamos um cafezinho expresso enquanto aguardávamos a chamada para o vôo. “Às 7h50 eu vou”, disse Xaxá entre um gole e outro de café e uma olhada para o cartão de embarque. Ela foi sentar na cadeira de espera e eu não quis mais olhar o relógio.
Não lembro a data exata que conheci a Xaxá, ou melhor, a Oxaene. Pernambucana, de sotaque marcante, ela decidiu ser missionária na Jocum após fazer a escola inicial. Desde que foi para a base de Vitória, ajudava em tudo, mas principalmente na Escola de Treinamento e Discipulado (Eted) treinando, aconselhando, cuidando, servindo os alunos. Aliás, esse era o seu maior dom, a meu ver. Ela sempre foi muito sensível às necessidades de quem estava ao seu redor. Cuidadosa, não media esforços para servir e fazer qualquer um se sentir bem. Tinha estômago pra fazer curativos e paciência pra cuidar dos enfermos. Se alguém da base passasse mal, já sabíamos quem chamar para acompanhar ao hospital. E ela ia, com muito prazer!
Logo que me mudei pra base ocupei uma cama no quarto dela. Isso foi em 2008 e, de lá prá cá, muitos outros obreiros chegaram e saíram. Mas nós continuávamos no mesmo quarto. Aliás, nosso quarto era muito especial. Era o mais legal! Depois que voltou da África, Charlene também foi para lá e formamos o F.O.C. – Fabiana, Oxaene e Charlene. Éramos mais do que apenas colegas de quarto, formamos uma amizade profunda e sincera. Quando acabava nossa jornada de trabalho, subíamos para assistir TV, conversar e comer. Saíamos juntas, compartilhávamos nossas coisas e até nos uníamos pra fazer faxina no meu apartamento. Que programa!
Mas acho que foi nas viagens missionárias da Eted que conheci nelhor a Xaxá. Sua maneira de lidar com conflitos, de confrontar e trazer a verdade, de cuidar das pessoas e principalmente de manter a calma em situações adversas me ensinaram muito. A forma humilde como ela se colocava diante de cada desafio. Seu quebrantamento ao dizer para Deus: “Senhor, eu não sei o que fazer!”, uau! Como ministrou em minha vida e como suas características faziam com que formássemos uma boa dupla de trabalho. E não só no ministério. Normalmente era ela que suportava meus choros e lamentações, tristezas e murmurações que eu insistia em não guardar só prá mim. Quantos conselhos ela me deu! Quantas vezes orou por mim... Ainda ouço o eco da sua voz dizendo: “Fabi, guarda o coração!”...rs... Ah, Xaxá...
Foi quando ouvi a chamada do seu vôo que percebi que ainda tinha muita conversa pra pôr em dia, muito conselho pra escutar, muita oração pra pedir... Mas não dava mais tempo, eram 7h50, hora de embarcar. Sabia que ela ia embora, há dias sua passagem já estava marcada, mas não sei porque razão fui adiando o momento de dizer para ela o quanto sua amizade era importante pra mim, o quanto essa irmã mais velha foi fundamental em minha vida. E agora, no momento que achava eu mais propício para agradecê-la por tudo, me faltava tempo, me faltavam palavras...
Eu a abracei e foi tudo. Meus lábios cerraram e meus olhos começaram a lacrimejar. Tanta coisa pra falar e não consegui emitir nenhum som a não ser a fungada de lágrimas que não me obedeciam mais, corriam pelo meu rosto. Acho que nunca vou me acostumar com despedidas. Mesmo já estando há quatro anos num contexto de missões, em que vemos constantemente pessoas indo e vindo, não me acostumo a dizer adeus aos que amo. Não mesmo.
Não esperei o avião decolar, saí do aeroporto e fui a pé para a casa dos meus pais. Coloquei óculos escuros para disfarçar os olhos vermelhos, mas as lágrimas não respeitam protocolos. Elas continuavam a cair. A caminhada até em casa fora mais longa que o normal e eu me perguntava se algum dia eu iria rever a minha amiga Xaxá. Bom, ainda hoje não tenho uma resposta. Quem sabe uma hora dessas eu sou respondida... Quem sabe uma hora dessas eu reencontro a minha amiga... Uma hora dessas, quem sabe?!!

Um comentário:

  1. Hebreus 11 fala sobre "homens dos quais o mundo não era digno". Acho que a Oxaene é uma dessas! Uma das pessoas mais admiráveis que conheci nos últimos anos!

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