Eram 15hs quando cheguei ao local marcado. De longe, já as avistei, sentadas no ponto de ônibus, me esperando. Cinco meninas, de 10 a 13 anos, do nosso projeto social Casa Gileade ganharam um tratamento capilar num salão de beleza deslumbrante e eu ficara responsável de levá-las até lá. Elas não estavam sozinhas, Charlene, uma das professoras do projeto que funciona em Flexal 2, no bairro onde elas moram, tinha as levado de ônibus. A viagem atrasara, já que neste dia o sistema de transporte estava em greve. Elas tinham saído de casa às 12h30 e a maioria nem sequer tinha almoçado.
Entramos no salão, lotado! A sala de espera era um verdadeiro paraíso, com café e água à vontade, cadeiras confortáveis e ar refrigerado, contrastando com o calor sufocante que fazia do lado de fora. Logo ao entrarem, as meninas foram notadas, os olhares vinham de todos os lados do salão, mas não as deixou constrangidas. Elas se sentaram e começaram a comentar as notícias de famosos que passava na TV.
Detesto esses programas! Em meio a um cenário de guerra no Rio de Janeiro e do caos causado pela greve de ônibus aqui na Grande Vitória, um programa consegue falar de tantas futilidades como a roupa brega da atriz fulana de tal, ou o novo namorado de uma pop star dessas qualquer. Mais interessante prá mim naquela sala era o café quentinho que acabava de ser passado, mas os olhos das meninas nem piscavam diante do mundo ‘maravilhoso e perfeito’ dos ricos e famosos. Elas imitavam os trejeitos dos artistas, riam com suas gargalhadas, tentavam pronunciar palavras em inglês, até eu – já com meu cafezinho em mãos – comecei a prestar atenção ao programa. Era uma risadaria só, até que todas ficaram em silêncio para a grande reportagem do dia: o noivado do príncipe Willian, da Inglaterra.
Kate, a noiva escolhida pelo herdeiro real, apresentou-se num vestido azul, de braços dados com Willian, diante da imprensa mundial. Seu cabelo, escovado e bem esticado, cobria parte do seu rosto e cobria tanto que as meninas chegaram a torcer o pescoço para ver o rosto da sortuda e dar a sentença final: se ela era ou não bonita suficiente para ocupar o cargo de princesa. E, depois de tanta concentração, Amanda, uma das meninas que esperava para dar um jeitinho no cabelo me cutucou. “– Ela deve ser muito feliz, né tia?! Ela vai se casar com um príncipe!!!”.
Amanda tem 13 anos, é negra, e mora no Flexal 2 desde que nasceu. Toda sua família mora lá. Como toda menina dessa idade, tem seus conflitos com a família, com a escola, com ela mesma, mas também tem sonhos, muitos sonhos. Ela participa da Casa Gileade há algum tempo, recebe instruções, reforço escolar, alimentação, acompanhamento pedagógico, lições de artes e esportes e aconselhamento para a vida. Ter 13 anos e morar numa comunidade pobre e violenta não é bem o sonho de ninguém, mas apesar disso, Amanda tinha sonhos.
Antes de entrarmos no salão, ao me aproximar delas no ponto de ônibus, notei bem para onde estavam voltados os olhos da Amanda. Ao lado dela estava um adolescente, de no máximo 15 anos, branco, de cabelos lisos e jogados para o lado, estilo ‘Justin Bieber’. Seus olhos brilhavam como quem admira um diamante, como quem vislumbra uma miragem. E como toda miragem que desaparece no vento, segundos depois, o menino deu sinal e entrou num ônibus sem sequer olhar para trás.
Gostaria muito que Amanda fosse uma princesa. Gostaria muito que ela se sentisse uma princesa. Gostaria muito que ela fosse feliz como uma princesa. Feliz como terminam os contos de fadas que talvez ela nunca teve oportunidade de conhecer. Ela nunca viu um palácio, nem nunca andou numa carruagem. Amanda significa digna de ser amada e é isso que eu desejo pra ela. Ainda que pobre, negra e de cabelos crespos. Linda, linda Amanda.
Saímos do salão às 21hs. Famintas, cansadas, mas felizes. Pelo menos um dia de princesa elas tiveram. Uma outra menina, após conferir o resultado do novo penteado, abriu um largo sorriso. “– Agora eu não tenho mais vergonha de olhar no espelho!”. Meus olhos encheram d’água. Como gratidão, elas abraçaram todas as funcionárias, convidaram-nas pra festinha de encerramento da Gileade e oraram pela dona do salão. “Nunca ouvi uma oração tão bonita”, disse a empresária, em lágrimas. Embarquei-as num ônibus rumo a Flexal e fui para casa caminhando, pensando em tudo que havia acontecido. Não sei qual o futuro reservado para essas meninas. Se tenho esperança de dias melhores? Sim, eu tenho. Mas tenho que confessar que também tenho medo. Medo de perdê-las, de vê-las seguindo a mesma triste trajetória de tantas outras meninas da comunidade. Não quero isso. Luto para que isso não aconteça. Mas... Chorei naquela noite. Passados os dias, vi novamente a reportagem do noivado ‘mais badalado do ano’, agora com outros olhos. Kate não era sortuda e nem estava ao lado do príncipe por merecimento. Todas nós somos princesas! Meninas, mulheres, senhoras... Filhas de um mesmo Rei, herdeiras de um mesmo reino. Sonhadoras, felizes, amadas...
História real, comovente, doce e muito bem escrita (como sempre...)
ResponderExcluirQuero destacar...
"Gostaria muito que Amanda fosse uma princesa. Gostaria muito que ela se sentisse uma princesa. Gostaria muito que ela fosse feliz como uma princesa."
Texto marcante e comovente, não consegui me conter Fabi.. Também gostaria que todas as meninas se sentissem princesas, valiosas, únicas... Que Deus guarde e preserva essas meninas.. Beijos
ResponderExcluirFabi...sem palavras amiga...
ResponderExcluirObrigada por escrever o texto...lendo o que você escreveu voltei ao flexal vi o rostinho e o sorisso das (minhas) meninas...princesas filhas do Rei eterno.
Ta lindo Fabiana!
ResponderExcluirParabéns!
Beijos!