sábado, 4 de setembro de 2010

A GRANDE DIFERENÇA

Em julho completou dois anos que eu estou morando na Jocum, no bairro de Flexal 2, em Cariacica. Quando Isabel – na época diretora da base – me desafiou a morar lá e não somente ir uma vez por semana, como eu fazia já há seis meses, não poderia imaginar o que estava a me esperar. Se eu disser que aceitei de prontidão, faltarei com a verdade. Dez em cada dez brasileiros sonham com a casa própria e eu tinha a minha. Estava morando no meu apartamento mobiliado, numa das regiões imobiliárias que mais valoriza no ES, ainda refletindo sobre todas as informações e ministrações recebidas nas escolas de Jocum, em Minas, enfim, estava bem confortável.
Detalhe que mudar para Cariacica e, diga-se, para Flexal 2, nunca fora o meu sonho pessoal. Nem ministerial. A má fama do dueto ‘pobreza e violência’ não estava somente no ‘ouvir falar’. Eu mesmo já tive a oportunidade de chegar ao bairro em meio a um tiroteio. Nunca, até então, tinha ficado em Flexal 2 após às 17h30, mas agora, eu iria morar lá. Eu escolhi morar lá.
Flexal 2 não foge à realidade das periferias brasileiras. Índices baixos de Educação, saúde, saneamento básico e qualidade de vida. Índices altos de violência, gravidez na adolescência, tráfico de drogas e todo tipo de abuso. Meninos que nunca conheceram seus pais e têm a vida interrompida antes de formar família. Meninas que ainda não guardaram as bonecas, mas que já estão no sexto mês de gravidez e há anos fumando crack. Nada novo, nada diferente, nada especial. Claro, se não fosse o fato de morarmos na comunidade.
Quando se quer realmente enxergar a realidade, ela pode muitas vezes se mostrar bem dura. E bem difícil. É impossível estar num lugar e não se envolver com o que o compõe, principalmente quando se está lá pelo Reino de Deus. Lembro quando eu chorei pela primeira vez. Foi ao ver um menino de dois anos com uma hérnia enorme no umbigo, sujo, descalço e com os pequenos dentinhos da frente todos danificados. Porque ninguém fazia nada? Eu não entendia. Porque Deus permitia aquilo? Eu me indignava.
Porém, a situação daquela criança era apenas uma dentre muitas outras. Conheci um pouco da vida das mulheres da comunidade, que atendíamos com distribuição de alimentos. A maioria aprisionada pelo vício do álcool. Famílias destruídas, sonhos despedaçados. Projetos que nunca foram à frente, dignidade que já se havia perdido pelo meio do caminho. Era impactante prá mim saber que um bairro com apenas 30 anos tivesse tantas histórias de dor e tristeza. Não é tarefa simples contar a história de Flexal 2. E lá estava eu, somando com meus poucos colegas missionários que também aceitaram corajosamente o desafio de fazer a diferença em Flexal 2. E que grande diferença!
São apenas dois anos de trabalho, mas quando avalio esse tempo vejo o quanto já foi feito, isso sem contar os anos anteriores de muita semeadura nos campos férteis, repito, CAMPOS FÉRTEIS, de Flexal 2. Hoje, a Casa Gileade atende a mais de 100 crianças que vão regularmente para aprender mais de Deus. Sou testemunha de que novos rumos estão sendo desenhados pela nova geração, que não repetirá os mesmos erros do passado.
O programa de distribuição de alimentos agora abrange outras áreas e 30 mulheres contam, semanalmente, com palestras, aconselhamentos e pastoreio. Uma delas decidiu abandonar o alcoolismo e pediu a nossa ajuda. Outra, há poucos dias, entregou sua vida a Jesus. O programa com as mulheres do bairro, que ainda nem tem nome, tem dado bons e eternos frutos.
Há um mês iniciamos um programa de rádio para conscientizar os moradores em questões ambientais. O programa é divertido e fala, de forma clara, sobre a mordomia da Criação, sobre a nossa responsabilidade com o mundo que Deus criou. Cremos que é possível ter um bairro limpo, bonito e agradável, conforme o desejo de Deus. Não, não é utopia, é escolha. E sabe qual é a grande diferença?
Eu posso ter outro e qualquer outro trabalho, mas eu escolho servir à comunidade de Flexal 2.
Eu posso ser indiferente às problemáticas da comunidade, mas eu escolho amá-la, independente de qualquer coisa.
Eu posso ser mais uma moradora somente, mas eu escolho representar o Reino de Deus e expandi-lo entre as famílias do nosso morro.
Esse é o meu compromisso. E essa é a grande diferença!