segunda-feira, 18 de abril de 2011

A BORBOLETA

Já estavam todos sentados e com os olhos fechados. Passava um pouco das 8 horas, horário que – na base da Jocum – separamos para a intercessão. Talvez só eu estava com os olhos abertos, naquela quente terça-feira, sentada numa das cadeiras brancas de plástico da base e ao redor da mesa oval que compõe o refeitório. Gosto daquela mesa. Ela tem uma base de concreto ou de pedra, não sei bem. E o tampo dela é de madeira, oval, imponente... Acho-a muito bonita, mas não foi a mesa que me chamou a atenção naquela manhã.
Talvez estivesse na quinta ou sexta oração quando algo caiu ao chão e me chamou a atenção. Não só minha, de uma aluna também que estava ao meu lado. Em silêncio e tentando não atrapalhar os outros, nós nos aproximamos. Era uma borboleta saindo do casulo.
Eu conheço a história da lagarta que vira borboleta. Sempre gostei dessa “parte” da natureza, tem um “Q” de romantismo como nas histórias de conto-de-fadas em que a gata borralheira vira a princesa. Na verdade, nunca tinha visto isso acontecer realmente. Sempre desconfiei daqueles documentários em que a câmera zoom flagrava o exato momento da borboleta surgindo, achava que era mais um truque de cinema. Mas agora, estava eu ali, observando tudo e achando que apenas mataria minha curiosidade e nada mais.
A borboleta caiu da parte inferior do tampo da mesa. Seu casulo deveria estar preso ali, em algum lugar, mas não se equilibrou com a luta desesperada da borboleta em se livrar daquela casa apertada e começar a voar. Ela se debatia no chão. Seus pezinhos (ou seriam as patinhas?) se esforçavam pra romper o casulo. Era como se ela usasse número 40 e estivesse num jeans tamanho 36. Que luta! Ela tentava com todas as suas forças, dava a última energia que tinha e depois aquietava, como se estivesse tomando fôlego para mais uma tentativa. Ela não desistia. Seu esforço a fazia dançar no chão, girava, voltava para o mesmo lugar, parava, recomeçava... Coitada! Não tínhamos como ajudá-la. Qualquer toque dos meus dedos, ainda que da forma mais delicada, poderia estragar tudo. Também temia que ela não conseguisse. Percebi os olhares atentos de um pardal. Com certeza, ele esperava a nossa saída para preparar seu almoço. E eu ali torcendo para que ela conseguisse sair logo do casulo.
A essa altura eu não sabia mais o que acontecia ao meu redor. Nem em que pé estavam as orações e intercessões. Sem constrangimento algum, estava absorta na borboleta e em sua gana de se desprender daquilo que a limitava, daquilo que lembrava sua antiga vida como lagarta, daquilo que a impedia de voar...
Ora, por pior que fosse aquele momento, era um momento mágico. Um período de transição únicoque aquela borboleta só viveria uma vez. Parece tão simples, mas que interessante como coisas simples conseguem ministrar às nossas vidas. Quantas vezes não somos como aquela borboleta? Quantas vezes não passamos por essa mesma fase de transição? Ansiamos por voar. Ansiamos por nos desprender, desembaraçar-nos daquilo que nos impede de prosseguir. Não suportamos mais a velha vida, nem nada que a lembre, queremos ir, voar, sair do chão e ganhar as alturas. Sim, nós somos como as borboletas.
Porém, creio que algo nos difere. A borboleta não desistirá até sair completamente do casulo. Ela sabe que sua vida depende disso. Ela não conseguirá sobreviver se parte do seu minúsculo corpinho ainda estiver dentro do casulo. Ela não descansará enquanto não deixar completamente aquela casca. Que bom seria se tivéssemos essa mesma determinação, de não desistir, de não voltar atrás, de não se acomodar, de não descansar até que a obra em nossas vidas esteja completa. É o ciclo da vida para a borboleta. É a plenitude da vida para nós.
Saí do refeitório e deixei a borboleta lá, não poderia mais acompanhá-la. Não sei qual foi o desfecho de sua dura missão, nem ao menos se ainda vive pelos jardins lá da base. Mas sei que ela penetrou em meus pensamentos e me fez refletir. E me fez questionar. E me fez desejar sair dos casulos da minh’alma. E me fez sonhar com o dia em que serei totalmente livre pra voar de volta ao jardim da minha saudosa e eterna casa...