Ontem à noite eu sentei diante da TV. Ultimamente, por estar de férias, tenho feito muito isso. Mas ontem foi proposital. Queria ver o programa que faria uma retrospectiva dos fatos importantes que marcaram o mundo em 2010. Fiz tudo o que eu precisava fazer antes, para estar livre para assisti-lo. Acho que o programa durou mais de duas horas e durante todo o tempo eu fiquei lá, sem levantar sequer para ir ao banheiro – não queria perder nada.
Lembrava da maioria dos fatos que iria passar ali, mas isso não impediu que eu me comovesse novamente ao ver o desespero dos haitianos com aquele terremoto horrível que matou quase 300 mil pessoas. Ou com o sofrimento dos nossos compatriotas de todas as partes do Brasil que perderam tudo com as chuvas e enchentes deste ano. Como não chorar junto com a mãe que perdeu o filho assassinado por causa do engano de um policial? Como não lamentar ver cenas tão chocantes de crueldade de pais para com seus filhos, de marido para com suas esposas, de jovens para com os seus velhinhos?
Percebi que a maioria dos fatos registrada no programa era triste. Quantas tragédias! Assassinatos, chacinas, terrorismo, acidentes, desastres naturais, roubos, perdas, mortes, a desclassificação do Brasil na Copa... Quanto motivo para chorar! Que ano difícil! Como conseguimos chegar ao final, se tudo, todas as circunstâncias insistiam para que parássemos na metade?
Mas, enfim, chegamos! Hoje é o último dia do ano e nós, inteiros ou quase inteiros, estamos aqui. É interessante como todos os dias estamos expostos há milhares de coisas, a diversas experiências, mas, ao que me parece, somente as ruins nos marcam a ponto de nos fazer relembrar.
O programa terminou e eu senti falta de alguns fatos que também ocorreram este ano. Acho que você também sentiu. Senti falta de relembrar a bondade e a fidelidade de Deus que nos permitiram chegar até aqui. Senti falta dos fatos que marcaram a nossa vida pessoal e que de alguma forma nos transformaram em pessoas melhores. Senti falta das experiências que passamos que nos fizeram crescer e nos prepararam para o próximo ano, para que tivéssemos um verdadeiro ANO NOVO.
Será que em duas horas conseguiríamos narrar todas as coisas maravilhosas que Deus nos fez e nos permitiu viver? Conseguiríamos contar todas as suas dádivas e bênçãos sobre as nossas vidas? Fico pensando nas coisas que vivi. Esse ano não foi um mar de rosas pra mim. Foi um ano difícil. De muitos desafios, decepções, frustrações... Mas seria muito ingrata se terminasse assim minha retrospectiva. Foi um ano de sofrimento, mas também de amadurecimento. Foi um ano desafiador, mas de muitas oportunidades. Foi um ano de caminhada pelo deserto, mas também de muita provisão vinda do céu. Deus esteve comigo, como prometera, todos os dias do ano!
Sou grata aos novos amigos que conheci e conquistei. Grata às coisas que aprendi, às experiências que vivi. Sou imensamente grata às histórias de vida que compartilhei, aos novos lugares que pisei, às viagens que fiz. Grata pelo trabalho cumprido, pelas ideias sugeridas, pelas inovações que chegaram. Sou grata pela compreensão a mim estendida, pelos ouvidos emprestados, pela mão segurando a minha, pelos passos dados ao meu lado. Dou graças pelos infortúnios. Pelas lágrimas. Pelas tristezas. Obrigada, Deus, porque eu me frustrei comigo mesmo. Obrigada porque cada decepção me aproximou mais ainda de Ti, do meu verdadeiro Amor. Sou grata a você, 2010! O ano em que pude ver a mão do Senhor! E com meu coração aberto e cheio de esperanças digo... Que venha 2011!
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
A HORA DA DESPEDIDA
6h10. Conforme combinado na noite anterior, Xaxá me balançou e me acordou. Ela já tinha tomado banho, já estava quase pronta e eu coçava os olhos preguiçosamente, adiando pular da beliche e me arrumar. Olhei pra outra beliche do quarto e Charlene ainda estava dormindo. Ela se recusava levantar antes que eu. No nosso quarto, Xaxá sempre era a primeira a acordar. Ela levantava, tomava banho, vestia-se e saía com a Bíblia. Tudo no maior silêncio prá não acordar ninguém. Eu levantava em seguida e a Charlene era sempre a última. Sempre foi assim e nessa manhã de domingo não haveria de ser diferente. Fiquei alguns minutos olhando para o teto, mas levantei. Não podia me atrasar.
Eram 6h47 e lá estava o tio Roland. Pontualíssimo, ele ajeitava as últimas coisas do carro para nos levar ao Aeroporto. Xaxá desceu com uma única mala, vermelha, e por isso sobrou lugar no carro para eu e Charlene irmos também. Domingo de manhã na Rodovia do Contorno é bem diferente do restante da semana. Não havia trânsito, nem obras, nem engarrafamento e, graças a Deus, nenhum acidente. Não sei se por sono ou pela circunstância, fizemos o trajeto até o Aeroporto em silêncio.
Às 7h16 tio Roland estacionou, em fila dupla e por isso não poderia demorar. Ele deu um abraço na Xaxá e Charlene deu em seguida. Eles entraram no carro e voltaram para a base, eu decidi ficar. O check-in foi rápido e nos deu tempo para tomar um café. Saímos da base em jejum, mas como tudo é muito caro no Aeroporto, só tomamos um cafezinho expresso enquanto aguardávamos a chamada para o vôo. “Às 7h50 eu vou”, disse Xaxá entre um gole e outro de café e uma olhada para o cartão de embarque. Ela foi sentar na cadeira de espera e eu não quis mais olhar o relógio.
Não lembro a data exata que conheci a Xaxá, ou melhor, a Oxaene. Pernambucana, de sotaque marcante, ela decidiu ser missionária na Jocum após fazer a escola inicial. Desde que foi para a base de Vitória, ajudava em tudo, mas principalmente na Escola de Treinamento e Discipulado (Eted) treinando, aconselhando, cuidando, servindo os alunos. Aliás, esse era o seu maior dom, a meu ver. Ela sempre foi muito sensível às necessidades de quem estava ao seu redor. Cuidadosa, não media esforços para servir e fazer qualquer um se sentir bem. Tinha estômago pra fazer curativos e paciência pra cuidar dos enfermos. Se alguém da base passasse mal, já sabíamos quem chamar para acompanhar ao hospital. E ela ia, com muito prazer!
Logo que me mudei pra base ocupei uma cama no quarto dela. Isso foi em 2008 e, de lá prá cá, muitos outros obreiros chegaram e saíram. Mas nós continuávamos no mesmo quarto. Aliás, nosso quarto era muito especial. Era o mais legal! Depois que voltou da África, Charlene também foi para lá e formamos o F.O.C. – Fabiana, Oxaene e Charlene. Éramos mais do que apenas colegas de quarto, formamos uma amizade profunda e sincera. Quando acabava nossa jornada de trabalho, subíamos para assistir TV, conversar e comer. Saíamos juntas, compartilhávamos nossas coisas e até nos uníamos pra fazer faxina no meu apartamento. Que programa!
Mas acho que foi nas viagens missionárias da Eted que conheci nelhor a Xaxá. Sua maneira de lidar com conflitos, de confrontar e trazer a verdade, de cuidar das pessoas e principalmente de manter a calma em situações adversas me ensinaram muito. A forma humilde como ela se colocava diante de cada desafio. Seu quebrantamento ao dizer para Deus: “Senhor, eu não sei o que fazer!”, uau! Como ministrou em minha vida e como suas características faziam com que formássemos uma boa dupla de trabalho. E não só no ministério. Normalmente era ela que suportava meus choros e lamentações, tristezas e murmurações que eu insistia em não guardar só prá mim. Quantos conselhos ela me deu! Quantas vezes orou por mim... Ainda ouço o eco da sua voz dizendo: “Fabi, guarda o coração!”...rs... Ah, Xaxá...
Foi quando ouvi a chamada do seu vôo que percebi que ainda tinha muita conversa pra pôr em dia, muito conselho pra escutar, muita oração pra pedir... Mas não dava mais tempo, eram 7h50, hora de embarcar. Sabia que ela ia embora, há dias sua passagem já estava marcada, mas não sei porque razão fui adiando o momento de dizer para ela o quanto sua amizade era importante pra mim, o quanto essa irmã mais velha foi fundamental em minha vida. E agora, no momento que achava eu mais propício para agradecê-la por tudo, me faltava tempo, me faltavam palavras...
Eu a abracei e foi tudo. Meus lábios cerraram e meus olhos começaram a lacrimejar. Tanta coisa pra falar e não consegui emitir nenhum som a não ser a fungada de lágrimas que não me obedeciam mais, corriam pelo meu rosto. Acho que nunca vou me acostumar com despedidas. Mesmo já estando há quatro anos num contexto de missões, em que vemos constantemente pessoas indo e vindo, não me acostumo a dizer adeus aos que amo. Não mesmo.
Não esperei o avião decolar, saí do aeroporto e fui a pé para a casa dos meus pais. Coloquei óculos escuros para disfarçar os olhos vermelhos, mas as lágrimas não respeitam protocolos. Elas continuavam a cair. A caminhada até em casa fora mais longa que o normal e eu me perguntava se algum dia eu iria rever a minha amiga Xaxá. Bom, ainda hoje não tenho uma resposta. Quem sabe uma hora dessas eu sou respondida... Quem sabe uma hora dessas eu reencontro a minha amiga... Uma hora dessas, quem sabe?!!
Eram 6h47 e lá estava o tio Roland. Pontualíssimo, ele ajeitava as últimas coisas do carro para nos levar ao Aeroporto. Xaxá desceu com uma única mala, vermelha, e por isso sobrou lugar no carro para eu e Charlene irmos também. Domingo de manhã na Rodovia do Contorno é bem diferente do restante da semana. Não havia trânsito, nem obras, nem engarrafamento e, graças a Deus, nenhum acidente. Não sei se por sono ou pela circunstância, fizemos o trajeto até o Aeroporto em silêncio.
Às 7h16 tio Roland estacionou, em fila dupla e por isso não poderia demorar. Ele deu um abraço na Xaxá e Charlene deu em seguida. Eles entraram no carro e voltaram para a base, eu decidi ficar. O check-in foi rápido e nos deu tempo para tomar um café. Saímos da base em jejum, mas como tudo é muito caro no Aeroporto, só tomamos um cafezinho expresso enquanto aguardávamos a chamada para o vôo. “Às 7h50 eu vou”, disse Xaxá entre um gole e outro de café e uma olhada para o cartão de embarque. Ela foi sentar na cadeira de espera e eu não quis mais olhar o relógio.
Não lembro a data exata que conheci a Xaxá, ou melhor, a Oxaene. Pernambucana, de sotaque marcante, ela decidiu ser missionária na Jocum após fazer a escola inicial. Desde que foi para a base de Vitória, ajudava em tudo, mas principalmente na Escola de Treinamento e Discipulado (Eted) treinando, aconselhando, cuidando, servindo os alunos. Aliás, esse era o seu maior dom, a meu ver. Ela sempre foi muito sensível às necessidades de quem estava ao seu redor. Cuidadosa, não media esforços para servir e fazer qualquer um se sentir bem. Tinha estômago pra fazer curativos e paciência pra cuidar dos enfermos. Se alguém da base passasse mal, já sabíamos quem chamar para acompanhar ao hospital. E ela ia, com muito prazer!
Logo que me mudei pra base ocupei uma cama no quarto dela. Isso foi em 2008 e, de lá prá cá, muitos outros obreiros chegaram e saíram. Mas nós continuávamos no mesmo quarto. Aliás, nosso quarto era muito especial. Era o mais legal! Depois que voltou da África, Charlene também foi para lá e formamos o F.O.C. – Fabiana, Oxaene e Charlene. Éramos mais do que apenas colegas de quarto, formamos uma amizade profunda e sincera. Quando acabava nossa jornada de trabalho, subíamos para assistir TV, conversar e comer. Saíamos juntas, compartilhávamos nossas coisas e até nos uníamos pra fazer faxina no meu apartamento. Que programa!
Mas acho que foi nas viagens missionárias da Eted que conheci nelhor a Xaxá. Sua maneira de lidar com conflitos, de confrontar e trazer a verdade, de cuidar das pessoas e principalmente de manter a calma em situações adversas me ensinaram muito. A forma humilde como ela se colocava diante de cada desafio. Seu quebrantamento ao dizer para Deus: “Senhor, eu não sei o que fazer!”, uau! Como ministrou em minha vida e como suas características faziam com que formássemos uma boa dupla de trabalho. E não só no ministério. Normalmente era ela que suportava meus choros e lamentações, tristezas e murmurações que eu insistia em não guardar só prá mim. Quantos conselhos ela me deu! Quantas vezes orou por mim... Ainda ouço o eco da sua voz dizendo: “Fabi, guarda o coração!”...rs... Ah, Xaxá...
Foi quando ouvi a chamada do seu vôo que percebi que ainda tinha muita conversa pra pôr em dia, muito conselho pra escutar, muita oração pra pedir... Mas não dava mais tempo, eram 7h50, hora de embarcar. Sabia que ela ia embora, há dias sua passagem já estava marcada, mas não sei porque razão fui adiando o momento de dizer para ela o quanto sua amizade era importante pra mim, o quanto essa irmã mais velha foi fundamental em minha vida. E agora, no momento que achava eu mais propício para agradecê-la por tudo, me faltava tempo, me faltavam palavras...
Eu a abracei e foi tudo. Meus lábios cerraram e meus olhos começaram a lacrimejar. Tanta coisa pra falar e não consegui emitir nenhum som a não ser a fungada de lágrimas que não me obedeciam mais, corriam pelo meu rosto. Acho que nunca vou me acostumar com despedidas. Mesmo já estando há quatro anos num contexto de missões, em que vemos constantemente pessoas indo e vindo, não me acostumo a dizer adeus aos que amo. Não mesmo.
Não esperei o avião decolar, saí do aeroporto e fui a pé para a casa dos meus pais. Coloquei óculos escuros para disfarçar os olhos vermelhos, mas as lágrimas não respeitam protocolos. Elas continuavam a cair. A caminhada até em casa fora mais longa que o normal e eu me perguntava se algum dia eu iria rever a minha amiga Xaxá. Bom, ainda hoje não tenho uma resposta. Quem sabe uma hora dessas eu sou respondida... Quem sabe uma hora dessas eu reencontro a minha amiga... Uma hora dessas, quem sabe?!!
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Ela vai se casar com um príncipe!!!
Eram 15hs quando cheguei ao local marcado. De longe, já as avistei, sentadas no ponto de ônibus, me esperando. Cinco meninas, de 10 a 13 anos, do nosso projeto social Casa Gileade ganharam um tratamento capilar num salão de beleza deslumbrante e eu ficara responsável de levá-las até lá. Elas não estavam sozinhas, Charlene, uma das professoras do projeto que funciona em Flexal 2, no bairro onde elas moram, tinha as levado de ônibus. A viagem atrasara, já que neste dia o sistema de transporte estava em greve. Elas tinham saído de casa às 12h30 e a maioria nem sequer tinha almoçado.
Entramos no salão, lotado! A sala de espera era um verdadeiro paraíso, com café e água à vontade, cadeiras confortáveis e ar refrigerado, contrastando com o calor sufocante que fazia do lado de fora. Logo ao entrarem, as meninas foram notadas, os olhares vinham de todos os lados do salão, mas não as deixou constrangidas. Elas se sentaram e começaram a comentar as notícias de famosos que passava na TV.
Detesto esses programas! Em meio a um cenário de guerra no Rio de Janeiro e do caos causado pela greve de ônibus aqui na Grande Vitória, um programa consegue falar de tantas futilidades como a roupa brega da atriz fulana de tal, ou o novo namorado de uma pop star dessas qualquer. Mais interessante prá mim naquela sala era o café quentinho que acabava de ser passado, mas os olhos das meninas nem piscavam diante do mundo ‘maravilhoso e perfeito’ dos ricos e famosos. Elas imitavam os trejeitos dos artistas, riam com suas gargalhadas, tentavam pronunciar palavras em inglês, até eu – já com meu cafezinho em mãos – comecei a prestar atenção ao programa. Era uma risadaria só, até que todas ficaram em silêncio para a grande reportagem do dia: o noivado do príncipe Willian, da Inglaterra.
Kate, a noiva escolhida pelo herdeiro real, apresentou-se num vestido azul, de braços dados com Willian, diante da imprensa mundial. Seu cabelo, escovado e bem esticado, cobria parte do seu rosto e cobria tanto que as meninas chegaram a torcer o pescoço para ver o rosto da sortuda e dar a sentença final: se ela era ou não bonita suficiente para ocupar o cargo de princesa. E, depois de tanta concentração, Amanda, uma das meninas que esperava para dar um jeitinho no cabelo me cutucou. “– Ela deve ser muito feliz, né tia?! Ela vai se casar com um príncipe!!!”.
Amanda tem 13 anos, é negra, e mora no Flexal 2 desde que nasceu. Toda sua família mora lá. Como toda menina dessa idade, tem seus conflitos com a família, com a escola, com ela mesma, mas também tem sonhos, muitos sonhos. Ela participa da Casa Gileade há algum tempo, recebe instruções, reforço escolar, alimentação, acompanhamento pedagógico, lições de artes e esportes e aconselhamento para a vida. Ter 13 anos e morar numa comunidade pobre e violenta não é bem o sonho de ninguém, mas apesar disso, Amanda tinha sonhos.
Antes de entrarmos no salão, ao me aproximar delas no ponto de ônibus, notei bem para onde estavam voltados os olhos da Amanda. Ao lado dela estava um adolescente, de no máximo 15 anos, branco, de cabelos lisos e jogados para o lado, estilo ‘Justin Bieber’. Seus olhos brilhavam como quem admira um diamante, como quem vislumbra uma miragem. E como toda miragem que desaparece no vento, segundos depois, o menino deu sinal e entrou num ônibus sem sequer olhar para trás.
Gostaria muito que Amanda fosse uma princesa. Gostaria muito que ela se sentisse uma princesa. Gostaria muito que ela fosse feliz como uma princesa. Feliz como terminam os contos de fadas que talvez ela nunca teve oportunidade de conhecer. Ela nunca viu um palácio, nem nunca andou numa carruagem. Amanda significa digna de ser amada e é isso que eu desejo pra ela. Ainda que pobre, negra e de cabelos crespos. Linda, linda Amanda.
Saímos do salão às 21hs. Famintas, cansadas, mas felizes. Pelo menos um dia de princesa elas tiveram. Uma outra menina, após conferir o resultado do novo penteado, abriu um largo sorriso. “– Agora eu não tenho mais vergonha de olhar no espelho!”. Meus olhos encheram d’água. Como gratidão, elas abraçaram todas as funcionárias, convidaram-nas pra festinha de encerramento da Gileade e oraram pela dona do salão. “Nunca ouvi uma oração tão bonita”, disse a empresária, em lágrimas. Embarquei-as num ônibus rumo a Flexal e fui para casa caminhando, pensando em tudo que havia acontecido. Não sei qual o futuro reservado para essas meninas. Se tenho esperança de dias melhores? Sim, eu tenho. Mas tenho que confessar que também tenho medo. Medo de perdê-las, de vê-las seguindo a mesma triste trajetória de tantas outras meninas da comunidade. Não quero isso. Luto para que isso não aconteça. Mas... Chorei naquela noite. Passados os dias, vi novamente a reportagem do noivado ‘mais badalado do ano’, agora com outros olhos. Kate não era sortuda e nem estava ao lado do príncipe por merecimento. Todas nós somos princesas! Meninas, mulheres, senhoras... Filhas de um mesmo Rei, herdeiras de um mesmo reino. Sonhadoras, felizes, amadas...
Entramos no salão, lotado! A sala de espera era um verdadeiro paraíso, com café e água à vontade, cadeiras confortáveis e ar refrigerado, contrastando com o calor sufocante que fazia do lado de fora. Logo ao entrarem, as meninas foram notadas, os olhares vinham de todos os lados do salão, mas não as deixou constrangidas. Elas se sentaram e começaram a comentar as notícias de famosos que passava na TV.
Detesto esses programas! Em meio a um cenário de guerra no Rio de Janeiro e do caos causado pela greve de ônibus aqui na Grande Vitória, um programa consegue falar de tantas futilidades como a roupa brega da atriz fulana de tal, ou o novo namorado de uma pop star dessas qualquer. Mais interessante prá mim naquela sala era o café quentinho que acabava de ser passado, mas os olhos das meninas nem piscavam diante do mundo ‘maravilhoso e perfeito’ dos ricos e famosos. Elas imitavam os trejeitos dos artistas, riam com suas gargalhadas, tentavam pronunciar palavras em inglês, até eu – já com meu cafezinho em mãos – comecei a prestar atenção ao programa. Era uma risadaria só, até que todas ficaram em silêncio para a grande reportagem do dia: o noivado do príncipe Willian, da Inglaterra.
Kate, a noiva escolhida pelo herdeiro real, apresentou-se num vestido azul, de braços dados com Willian, diante da imprensa mundial. Seu cabelo, escovado e bem esticado, cobria parte do seu rosto e cobria tanto que as meninas chegaram a torcer o pescoço para ver o rosto da sortuda e dar a sentença final: se ela era ou não bonita suficiente para ocupar o cargo de princesa. E, depois de tanta concentração, Amanda, uma das meninas que esperava para dar um jeitinho no cabelo me cutucou. “– Ela deve ser muito feliz, né tia?! Ela vai se casar com um príncipe!!!”.
Amanda tem 13 anos, é negra, e mora no Flexal 2 desde que nasceu. Toda sua família mora lá. Como toda menina dessa idade, tem seus conflitos com a família, com a escola, com ela mesma, mas também tem sonhos, muitos sonhos. Ela participa da Casa Gileade há algum tempo, recebe instruções, reforço escolar, alimentação, acompanhamento pedagógico, lições de artes e esportes e aconselhamento para a vida. Ter 13 anos e morar numa comunidade pobre e violenta não é bem o sonho de ninguém, mas apesar disso, Amanda tinha sonhos.
Antes de entrarmos no salão, ao me aproximar delas no ponto de ônibus, notei bem para onde estavam voltados os olhos da Amanda. Ao lado dela estava um adolescente, de no máximo 15 anos, branco, de cabelos lisos e jogados para o lado, estilo ‘Justin Bieber’. Seus olhos brilhavam como quem admira um diamante, como quem vislumbra uma miragem. E como toda miragem que desaparece no vento, segundos depois, o menino deu sinal e entrou num ônibus sem sequer olhar para trás.
Gostaria muito que Amanda fosse uma princesa. Gostaria muito que ela se sentisse uma princesa. Gostaria muito que ela fosse feliz como uma princesa. Feliz como terminam os contos de fadas que talvez ela nunca teve oportunidade de conhecer. Ela nunca viu um palácio, nem nunca andou numa carruagem. Amanda significa digna de ser amada e é isso que eu desejo pra ela. Ainda que pobre, negra e de cabelos crespos. Linda, linda Amanda.
Saímos do salão às 21hs. Famintas, cansadas, mas felizes. Pelo menos um dia de princesa elas tiveram. Uma outra menina, após conferir o resultado do novo penteado, abriu um largo sorriso. “– Agora eu não tenho mais vergonha de olhar no espelho!”. Meus olhos encheram d’água. Como gratidão, elas abraçaram todas as funcionárias, convidaram-nas pra festinha de encerramento da Gileade e oraram pela dona do salão. “Nunca ouvi uma oração tão bonita”, disse a empresária, em lágrimas. Embarquei-as num ônibus rumo a Flexal e fui para casa caminhando, pensando em tudo que havia acontecido. Não sei qual o futuro reservado para essas meninas. Se tenho esperança de dias melhores? Sim, eu tenho. Mas tenho que confessar que também tenho medo. Medo de perdê-las, de vê-las seguindo a mesma triste trajetória de tantas outras meninas da comunidade. Não quero isso. Luto para que isso não aconteça. Mas... Chorei naquela noite. Passados os dias, vi novamente a reportagem do noivado ‘mais badalado do ano’, agora com outros olhos. Kate não era sortuda e nem estava ao lado do príncipe por merecimento. Todas nós somos princesas! Meninas, mulheres, senhoras... Filhas de um mesmo Rei, herdeiras de um mesmo reino. Sonhadoras, felizes, amadas...
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
TãoDignas
Ontem à noite foi o fechamento das atividades do ano do projeto TãoDignas. Trata-se de uma iniciativa com as mulheres da comunidade de Flexal II de devolvê-las a dignidade, o amor, a vida, que é dada a todo ser humano desde o seu nascimento. Durante os últimos quatro meses desenvolvemos palestras, oficinas, aconselhamentos, atendimento com profissionais e pastoreio. E vimos, nesse tempo, o grupo de mulheres se desenvolver de uma forma gratificante e empolgante. Muitas deram testemunho ontem sobre como foi esse tempo e eu, como gratidão a Deus, escrevi e li a poesia abaixo durante a formatura. Ano que vem, o desafio aumenta, mas nosso coração descansa ao saber que Deus tem conduzido esse pequeno rebanho a pastos verdejantes.
Queimada pelo Sol, castigada pelo tempo, as marcas no seu rosto retratam as experiências que já viveu.
Seus ombros se curvam, mas não caem. Eles suportam um peso que é só seu.
E se na jornada da vida eu pergunto seu nome, você me diz:
‘Ninguém é tão forte como eu!’
Por humilhação já passou, por injustiça também. Ninguém sabe que antes você foi tratada com desdém.
Se no coração há uma tristeza, esquecer te fará bem. Mas perdoar nunca foi fácil e nunca será para ninguém.
E se na jornada da vida eu pergunto seu nome, você me diz:
‘Sou tão comum como qualquer alguém!’
Se te faço perguntas é prá saber quem você é. Prá tentar descobrir a dor, o prazer e a garra de ser mulher.
Não terei as tuas mãos, as mesmas da disciplina e do cafuné. Mas posso acompanhar teus passos, seguindo perto, seguindo a pé.
E nessa jornada da vida, mais uma vez eu pergunto o seu nome e você me diz:
‘Sou tão peregrina, venha ver como é que é!’
Fortaleça seus braços e de dignidade se vista. Não olhe o passado, mas diante do futuro sorria.
Esse é o seu galardão, esta é a sua vida. Que na cruz foi resgatada e por Cristo redimida.
Ele levanta seu rosto, te olha nos olhos e de uma vez por todas o teu nome pronuncia:
‘Tão mulher, tão bela, TÃODIGNA!’.
Queimada pelo Sol, castigada pelo tempo, as marcas no seu rosto retratam as experiências que já viveu.
Seus ombros se curvam, mas não caem. Eles suportam um peso que é só seu.
E se na jornada da vida eu pergunto seu nome, você me diz:
‘Ninguém é tão forte como eu!’
Por humilhação já passou, por injustiça também. Ninguém sabe que antes você foi tratada com desdém.
Se no coração há uma tristeza, esquecer te fará bem. Mas perdoar nunca foi fácil e nunca será para ninguém.
E se na jornada da vida eu pergunto seu nome, você me diz:
‘Sou tão comum como qualquer alguém!’
Se te faço perguntas é prá saber quem você é. Prá tentar descobrir a dor, o prazer e a garra de ser mulher.
Não terei as tuas mãos, as mesmas da disciplina e do cafuné. Mas posso acompanhar teus passos, seguindo perto, seguindo a pé.
E nessa jornada da vida, mais uma vez eu pergunto o seu nome e você me diz:
‘Sou tão peregrina, venha ver como é que é!’
Fortaleça seus braços e de dignidade se vista. Não olhe o passado, mas diante do futuro sorria.
Esse é o seu galardão, esta é a sua vida. Que na cruz foi resgatada e por Cristo redimida.
Ele levanta seu rosto, te olha nos olhos e de uma vez por todas o teu nome pronuncia:
‘Tão mulher, tão bela, TÃODIGNA!’.
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