domingo, 11 de dezembro de 2011

Lia, Jacó e Raquel. O amor do ponto de vista da preterida

Por diversas vezes já ouvi e li sobre a história de amor de Jacó. E sempre a ênfase era na paciência de Jacó, em como ele suportou esperar e trabalhar pela mulher que amava, a Raquel. Mas ao contrário do que normalmente ouvimos, essa não é somente a história de amor de um casal. Há uma terceira pessoa, que sempre é esquecida nessa história. E é Lia que hoje me chama a atenção.
Lia e Raquel eram irmãs. Lia era a mais velha. É descrita como uma pessoa meiga, mas de olhos sem brilho. Não sei porque a descrevem assim. Talvez seus olhos não tinham mais o vigor da juventude ou a esperança de outrora. Raquel, a mais nova, era bonita. Bonita e atraente. Por ela Jacó se apaixonou e por ela prometeu trabalhar de graça para o sogro por sete anos.
Jacó era esforçado, trabalhador... E não demorou muito para dar muitas riquezas ao esperto e astuto sogro Labão. O rebanho dobrou, a fazenda produzia mais... Aos olhos de Labão tudo havia prosperado depois da chegada de Jacó. E seria bom se continuasse assim, afinal, ele estava enriquecendo.
Mas o prazo de sete anos estava terminando. Ele teria que entregar a sua filha como pagamento e Jacó iria embora cuidar da sua vida. Então, numa jogada estratégica, na noite do casamento, sem que Jacó percebesse, Labão entregou para Jacó sua outra filha, a mais velha, Lia.
Não sei se Jacó estava bêbado quando se deitou naquela noite. Mas fato é que ele só foi perceber a troca no outro dia. O casamento já tinha sido consumado, não havia como devolver Lia e pegar Raquel. Então, por mais sete anos, prometeu Jacó trabalhar em troca de Raquel. Ele ficaria com as duas irmãs.
Uma semana foi o tempo que separou o primeiro do segundo casamento. Era, para Lia, só o início de um pesadelo. Ninguém poderia imaginar que a atitude egoísta de um homem ambicioso como Labão provocaria tanto sofrimento, competição e humilhação para toda uma família. Todos sofreram, mas talvez quem mais tenha padecido foi Lia.
Ela era rejeitada. Não tinha o amor do homem a quem amava. Quando Deus viu que ela era desprezada, concedeu-lhes filhos. Então, ela começou a engravidar, numa tentativa desesperada de chamar a atenção do seu marido para si. “O Senhor viu a minha infelicidade. Agora, certamente o meu marido me amará”, disse ela ao ter nos braços o primeiro bebê. “Porque o Senhor ouviu que sou desprezada, deu-me também este”, era o segundo. “Agora, finalmente, meu marido se apegará a mim, porque já lhe dei três filhos”, encheu-se de esperança, Lia, ao dar a luz ao terceiro.
Na cultura judaica, uma mulher é considerada abençoada quando consegue encher a casa de filhos. É como se fosse a prova da felicidade. Porém, nem todos os filhos que Lia deu a Jacó fizeram com que ele a notasse. E olha que foram seis, fora outros dois de sua serva. Mas ainda no sexto ela deixava claro que a atitude de Jacó não mudara para com ela: “Deus presenteou-me com uma dádiva preciosa. Agora meu marido me tratará melhor”.
O apelo do coração desta mulher era para receber amor, ainda que fossem migalhas... Ela ansiava receber atenção, carinho, afeto, cuidado... Amor!
Penso em Lia e vejo como há tantos exemplos dela nos dias de hoje.
Quantas meninas não engravidam de propósito alimentando a ilusão de que serão mais amadas e respeitadas por seus companheiros depois do nascimento dos filhos? Quantas não acreditam que salvarão o casamento dessa forma? Quantas outras não estão neste momento se preparando para vender o corpo por alguns trocados por achar que é a única forma de ser amada por um homem? Quantas não estão tramando o mal na tentativa de receber atenção, de ser notada, de ser amada? Quantas vivem a suspirar pela chegada de um príncipe encantado? Quantas não se matam ou não se jogam num leito de depressão após uma decepção amorosa? Quantas estão anorexas na ilusão de um corpo perfeito? E quantas outras endividadas até o pescoço por pagar muito caro pelos atrativos da beleza?
Tudo gira em torno do amor. Ou melhor, da falta dele. Há tantas Lias ao nosso redor...
A mulher tem necessidade não só de amor, mas também de se sentir amada, querida, aceita, aprovada. Não foi à toa que Deus deixou, para o homem, o dever de amar sua esposa. AMAR!
Por um momento, que é só meu, consigo sentir a dor de Lia.
Quem não consegue? Quem nunca enfrentou a dureza de uma rejeição ou a frieza de um desprezo? Quem nunca passou por isso de ver o “lugar”, que antes era só seu, sendo ocupado por outra mais bonita, mais jovem, mais atraente, mais amada? E por mais que faça, por mais que se esforce, nada muda! Não há dor maior. Para uma mulher, não há.
Não sei o que aconteceu com Lia. Não sei qual foi o desfecho de sua vida de amargura. Não sei quanto tempo ela ainda suportou. Só sei que não consigo enxergar essa história da mesma forma que enxergava antes, cheia de brilho e sonho, num utópico amor perfeito de Jacó e Raquel, o Romeu e Julieta da Bíblia. Não, existe uma Lia também!
Pensar em Lia me fez olhar para a realidade de que vivemos num mundo onde as histórias não têm nada de conto de fada, onde faltam príncipes encantados montados em cavalos brancos e onde o desfecho está bem longe de ser o “felizes para sempre”. Pensar em Lia me deu respostas para muitas coisas que eu vejo acontecer ao meu redor e dentro de mim. Pensar em Lia me fez questionar atitudes, motivações e até o próprio AMOR. E que bom que gerou isso em mim. Tenho muitas perguntas ainda sem respostas, mas pensar nisso me fez sair do ponto em que eu estava para uma jornada ainda desconhecida mas que promete muitas descobertas...

2 comentários:

  1. Que texto lindo, Fabiana!
    Colocar os holofotes em Lia fez toda diferença. Essa personagem sempre me chamou a atenção. Sempre me vi mais nela do que em Raquel.
    Outra vez ouvi que os olhos 'doentes' de Lia poderia ser porque ela tinha olhos claros (o que na época era tido como feio) ou poderia ser algum outro problema na vista.
    Sua descrição sobre ela foi perfeita: 'como uma pessoa meiga, mas de olhos sem brilho'.

    Ao terminar a leitura do seu texto, ficou em mim uma prece:
    -Que nada nos roube o brilho no olhar.


    Parabéns pelo texto!

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  2. Meninas, Fabi e Lú...
    Vcs diseeram td e cabe a mim o silenciar e aprender.
    Amo vcs.
    Bjks

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